ALERTA DE SPOILER: este post relata fatos da série.
Precisamos conversar sobre esta série. Há diversos posts sobre o assunto, porém como professora, pedagoga, e principalmente como alguém que assistiu as duas temporadas da série, sinto a necessidade de falar a respeito também. Para começar, um breve resumo da série, produzida pela Netflix, dirigida por Tom McCarthy (de Spotlight) e que tem como produtora executiva Selena Gomez, retirada do site Minha Série.
13 Reasons Why acompanha a história do garoto Clay que recebe uma caixa de sapatos com várias fitas cassete na porta de sua casa. Ao ouvir as gravações, Clay descobre que elas são de sua falecida colega Hannah, por quem ele era apaixonado, e que cometeu suicídio recentemente. Nas fitas, que são enviadas com instruções para passar de um aluno a outro, Hannah explica os treze motivos que a levaram à decisão de se matar, sendo Clay um deles.
Bom, eu comecei a assistir a série por causa de todo o buzz em cima dela. Sou pedagoga, interajo com adolescentes diariamente, e já fui orientadora educacional, por isso sou sensível a todos estes temas. E eu não gosto de falar com o adolescentes sobre assuntos que desconheço, pois acredito que o preconceito e ignorância frente a algum tema inviabiliza nosso discurso de orientação. Na época em que todos meus alunos jogavam Clash Royale, o que eu fiz? Baixei o jogo, joguei um bom tempo, entendi todo ele, e só então me senti apta a dar uma opinião sobre ele. E assim faço com a imensa maioria dos temas que rodam entre os adolescentes. Com 13 Reasons Why aconteceu o mesmo. E eu a assisti com bons olhos, na esperança de que o tema fosse debatido com sabedoria e pudesse ajudar a quem pensa em cometer suicídio, e apesar de ser um tema pesado e muito triste, eu comecei gostando bastante da série.
Na primeira temporada nós temos uma menina que cometeu suicídio e deixou 13 fitas para 13 pessoas lhes dizendo de que forma cada uma delas contribuiu para sua decisão. A menina sofreu bullying, decepções amorosas e com amigos, e foi violentada por um dos "bam-bam-bans" da escola. Muitas pessoas fizeram mal a ela e outras simplesmente se omitiram de fazer algo. As fitas causaram grande estrago também, levando outro jovem a uma tentativa de suicídio também - neste caso, sem sucesso, porém o jovem ficou com sequelas físicas e psicológicas, o que é mostrado na segunda temporada.
A segunda temporada tem como foco o julgamento do processo que a família da menina moveu contra a escola, na tentativa de responsabilizar a instituição por negligência e pelo suicídio da filha. Neste julgamento é mostrada uma adolescente imperfeita, dúbia, controversa muitas vezes, ou seja: uma adolescente comum. E na escola todos os problemas seguem ocorrendo: bullying, violência sexual, agressões a alunos, ameaças.
Dada esta visão inicial das duas temporadas, que mensagens podemos ver que os jovens recebem:
1 - Suicídio sempre será uma opção. A menina sofreu muitas coisas ruins, com certeza. Porém a série foca muito no fato de o suicídio parecer ter sido sempre uma opção para ela como forma de resolver esses problemas, e na maioria do tempo, dada a série de "desventuras" da menina, o suicício parecia ser sem dúvidas a melhor opção. Em uma ou duas situações, de forma muito superficial e mal trabalhada, foi mostrado ter alguma outra solução para ela. Com o número de adolescentes deprimidos que temos hoje em dia, num turbilhão hormonal que sabemos "desgraçar" os pensamentos dessa turma, o suicídio deveria realmente ser mostrado como uma opção viável para o fim dos problemas? Ainda mais em uma fase que sabemos que toda sensação é maximizada?
2 - Não conte seus problemas para ninguém. Os adultos não são capazes de resolver seus problemas. É impressionante como os jovens desta série não contam nada para ninguém! Eles são violentados sexualmente, são agredidos, quase linchados, vivem cheios de hematomas e se furtando de contar isso para seus pais e responsáveis na escola sob desculpas como "caí no jogo de futebol". E o pior, além de mostrar adolescentes omitindo tudo dos adultos, os adultos da série são mostrados como seres incapazes de perceber os problemas enfrentados pelos jovens - são umas antas que não percebem o que está debaixo do seu nariz! E vejam bem, sabemos que diversas situações, quando omitidas, são difíceis de serem percebidas mesmo. Mas que pai vê seu filho com o rosto repleto de hematomas e cai nessa conversa de "me machuquei no jogo"? Os adultos são representados nesta série como pessoas totalmente incapazes de perceber os problemas dos adolescentes.
3 - Tente resolver problemas sérios com os amigos da escola. Na série eles tentam resolver tudo entre amigos: de fofocas de escola a violência sexual e ameaças de morte. Mais uma vez, nada é reportado aos adultos. No episódio final da série inclusive o protagonista descobre que um dos adolescentes com problemas decidiu bancar o atirador de elite e chacinar a galera do baile da escola e o que ele faz? MANDA TODO MUNDO SE ESCONDER, TRANCAR AS PORTAS DO SALÃO DE BAILE E VAI PEITAR O ATIRADOR SOZINHO. Na vida real, o cara armado até os dentes, decidido a matar todo mundo, ia meter uma bala na cabeça do boyzinho e finalizar o seu intento. E se não fosse o suficiente, alunos da escola chamaram a polícia e o que os jovens-gênios fazem? Um deles pega um carro, mete o atirador no carro e foge para a polícia não pegá-lo. Obviamente que isso tudo acontece num contexto de amizade e da galera querendo o melhor do menino que está totalmente desequilibrado - e não que ele não tenha motivos para estar doidão, ele acabara de ser espancado e violentado com um cabo de vassoura. Porém, ele precisava é fazer uma denúncia e buscar ajuda. Denúncia e ajuda que nunca é mostrada como uma opção viável para nada nesta série.
4 - Nem sempre vale a pena denunciar a volência sexual. O núcleo de boys magia jogadores de futebol da escola possui um lugar DENTRO DA ÁREA DA ESCOLA chamado de "o clubinho" onde basicamente eles fazem festinhas, chapam as garotas (com bebidas, drogas, etc) e tiram fotos delas em posições constrangedoras ou sendo violentadas sexualmente enquanto estão desmaiadas sob efeito de álcool e drogas, fotos estas que são guardadas como troféus em uma caixinha. Diversas garotas sofrem violência sexual e não vêem a denúncia como uma opção. Uma delas, namorada do melhor amigo do estuprador chefe, é violentada enquanto seu namorado fica do lado de fora do quarto, sem coragem de impediro amigão de fazer isso - e inclusive continua convivendo bem com ele por um bom tempo. Somente no final da série UMA delas tem coragem de fazer a denúncia - sendo que uma delas segue namorando o estuprador e acaba grávida dele. E isso nos leva para o próximo ponto:
5 - Não existe justiça. Você e seus amigos estão sozinhos. A família da jovem perde a causa contra a escola. O jovem-riquinho-estuprador-bam-bam-bam da série, após ser denunciado por estupro por uma das vítimas, com relato da vítima e do agora ex-namorado dela (aquele
que permitiu o ocorrido), o cara é indiciado por violência sexual, e o
ex-namorado como cúmplice. Qual o veredicto? O estuprador pega 3 meses
de condicional e o cúmplice acaba preso por 6 meses porque não
encontraram a mãe dele, que é drogada e alcoólatra. Justiça desigual e parcial = injustiça.
Pincei apenas os aspectos principais. A desesperança reina nesta série. Comecei a primeira temporada bastante sensibilizada pelo tema, inclusive por meu histórico de depressão e ansiedade. Fui vendo muitas coisas que achei que deveriam ter sido trabalhadas de outra forma, e achei que a série acabou sendo infeliz na sua forma de lidar com o suicídio. Porém ao final de segunda temporada concluí que a série é um grande desserviço, apesar dos personagens cativantes, e não deveria ser veiculada abertamente entre os jovens. É um tema extremamente difícil de ser tocado, e a segunda temporada acaba trazendo à tona um sentimento de indignação com a forma como a situação toda é tratada.
O que eu acho pior de tudo é a série ser vendida como "um retrato cruel da realidade". Sim, vivemos num mundo muito, muito mau. Sim estas coisas todas acontecem mais vezes do que deveriam acontecer. Porém a realidade não é dura assim na imensa maioria dos casos. Contar os problemas aos adultos pode resolver sim. Buscar ajuda é necessário sim. Denunciar é a primeira opção sempre.
Como pedagoga, que convive com adolescentes duariamente, falo com toda convicção: um adolescente fragilizado emocionalmente, com histórico de depressão, não deveria assistir essa série de forma alguma. Um adolescente bem emocionalmente, sem problemas maiores, só deveria assistir na companhia de um adulto e olhe lá.
Para vocês terem ideia, segundo informações da imprensa, a própria Selena Gomez não quis interpretar a personagem principal por considerar pesado demais para ela, que também luta contra a depressão. Em entrevista ao The Hollywood Reporter ela relatou ter dificuldades em lidar com o tema e também ter ficado afastada de tudo por 90 dias, além de ter ficado acabada assistindo às cenas da série.
A repercussão foi tamanha que foi criado um site para pedidos de ajuda o https://13reasonswhy.info/ e foram adicionados avisos ao início de cada eísódio, além de um grande aviso no início da segunda temporada onde os atores principais recomendam que adolescentes só assistam acompanhados de adultos.
Enfim, o suicídio é um tema espinhoso e deve ser tratado com responsabilidade. Vivemos uma onda crescente de suicídio entre adolescentes, e às vezes basta um pequeno detalhe para que alguns tomem uma decisão irrevogável. É imprescindível fazer reflexões racionais sobre o tema, e orientá-los sempre a buscar pela vida, acima de tudo.
Você já assistiu à série? Qual sua opinião sobre o tema abordado e a forma como ele foi tratado?
Beijão!
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